Em votação simbólica, o Senado Federal aprovou o texto principal do projeto de lei 4.458/2020, que reformula a lei de recuperação judicial e falências. O projeto visa ampliar o prazo de pagamentos de dívidas tributárias, além de modernizar e dar mais agilidade aos processos de recuperação judicial, fazendo com que as empresas em situação de crise se reergam financeiramente e mantenham suas atividades. O texto foi encaminhado para sanção do Presidente da República, Jair Bolsonaro.
As principais alterações foram:
Stay period: o período de suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor e atos de constrição patrimonial, que atualmente é de 180 (cento e oitenta) dias contados a partir do deferimento do processamento da recuperação, poderá ser prorrogável por igual prazo uma única vez, em caráter excepcional, desde que o devedor não haja concorrido com a superação do lapso temporal.
Apresentação de plano alternativo pelos credores: os credores que representem mais de 25% dos créditos concursais ou 35% dos créditos presentes em AGC têm a faculdade de apresentar proposta alternativa ao plano apresentado pelo devedor nos casos em que a) uma vez decorrido o prazo do stay period, não tenha havido deliberação a seu respeito, ou b). para substituir plano rejeitado em Assembleia Geral de Credores (AGC). Nesse último caso, o administrador judicial abre votação, no prazo de 30 dias, para a possibilidade de apresentação de plano alternativo, que será votado em AGC de acordo com os quóruns já estabelecidos na lei atual.
DIP Finance: depois de ouvido o comitê de credores, caso haja sido constituído, o juiz poderá autorizar a celebração de contratos para financiar as suas atividades e as despesas de reestruturação ou de preservação do valor de ativos do devedor, garantidos pela oneração ou pela alienação fiduciária de bens e direitos, seus ou de terceiros, pertencentes ao ativo não circulante do devedor. Caso o valor já tenha sido desembolsado, a posterior modificação da decisão em grau de recurso não poderá alterar sua natureza extraconcursal ou da garantia constituída.
Bem essencial: em caso de que atos de constrição recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial, o juízo recuperacional pode determinar sua suspensão .
Alienação de UPIs: fica expressamente autorizada a realização de leilão eletrônico, presencial ou híbrido; processo competitivo organizado, promovido por agente especializado ou qualquer outro meio admitido pelo Juízo. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor de qualquer natureza, incluídas, mas não exclusivamente, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista. Após a consumação do negócio jurídico, a alienação de bens ou outorga de garantia não poderá ser anulada .
Consolidação processual e substancial: Poderão requerer recuperação judicial, sob consolidação processual, os devedores que integrem grupo sob controle societário comum e que atendam aos requisitos previstos pelo artigo 48 da Lei de Recuperação de Empresas e Falência. Independentemente de realização de AGC, o juiz poderá autorizar a consolidação substancial a título excepcional, desde que constatadas a interconexão e a confusão entre ativos ou passivos dos devedores, de modo que não seja possível identificar a sua titularidade sem excessivo dispêndio de tempo ou de recursos. Para tal, deverá ocorrer cumulativamente a ocorrência de ao menos duas das seguintes hipóteses: relação de controle ou de dependência; identidade total ou parcial do quadro societário; existência de garantias cruzadas e atuação conjunta no mercado entre os postulantes.
Produtor rural: a regularidade da atividade rural por pessoa jurídica poderá ser comprovada por meio da Escrituração Contábil Fiscal ou de obrigação de registros contábeis, desde que entregue tempestivamente e feita pelos dois anos exigidos pela norma. No caso de se tratar de pessoa física, a comprovação pode ser realizada com base no Livro Caixa Digital do Produtor Rural ou por meio de obrigação legal de registros contábeis, e pela Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física e balanço patrimonial, todos entregues tempestivamente.
Mediação: foram incluídos dispositivos com o objetivo incentivar, em qualquer grau de jurisdição, a conciliação e a mediação. Vale ressaltar que é vedada a mediação sobre a natureza jurídica e classificação de créditos concursais ou sobre critérios de votação em AGC, mantida a competência do juízo recuperacional.
Insolvência transnacional: com a adoção do texto da lei modelo da UNCITRAL em casos de insolvência transnacional, amplia-se a cooperação internacional e fica regulada a cooperação entre juízes e autoridades nacionais e estrangeiras, garantindo que o juiz possa, sem a necessidade de expedição de cartas rogatórias, comunicar-se ou solicitar informação e assistência diretamente às autoridades ou representantes estrangeiros. Destaca-se, ainda, a permissão expressa para que credores estrangeiros tenham igualdade de condições quando da participação de processos de insolvência no Brasil, além da criação de um procedimento de reconhecimento de processos estrangeiros de cunho coletivo relativos a insolvência, de forma que, durante o desenvolvimento do processo no exterior, quaisquer ativos do devedor que estejam localizados no Brasil e também os interesses dos credores sejam protegidos. O juiz poderá adotar, seja em processos estrangeiros qualificados como principal ou não principal, diferentes medidas a fim de proteger os bens dos devedores e interesses dos credores. Em caso de reconhecimento do processo estrangeiro como principal pelo juiz brasileiro, será automática a suspensão do curso de quaisquer processos de execução ou medidas individualmente tomadas por credores no que se refere ao patrimônio do devedor (“stay period”).
Derivativos: o exercício dos direitos de vencimento antecipado e de compensação no âmbito de operações compromissadas e de derivativos não será afetado pelo pedido de recuperação judicial e, quando previsto nos contratos celebrados entre as partes ou em regulamento, essas operações poderão ser vencidas antecipadamente. Ficam expressamente proibidas medidas que impliquem qualquer forma de redução das garantias ou de sua condição de excussão, a restrição do exercício de direitos, inclusive de vencimento antecipado por inexecução e a compensação previstas em contrato ou regulamento.
Fresh start: para garantir a celeridade no processo de arrecadação, venda de ativos e pagamento dos credores, com especial destaque para a reabilitação do falido para nova atividade empresarial (fresh start), o procedimento falimentar passa por significativas alterações. Nos termos do projeto, quatro hipóteses podem extinguir as obrigações do falido: se não houver ativos ou não for possível aliená-los para custear as despesas processuais e honorários do administrador, o que deverá ser apontado logo após a arrecadação (artigo 114-A); se, uma vez realizado todo o ativo, for possível realizar o pagamento de 25% do crédito quirografário; no caso de pagamento dos credores (artigo 156); ao fim do prazo de três anos da data da decretação da falência, independentemente da venda dos ativos para pagamento dos credores. Em quaisquer destas situações acima mencionadas, o falido poderá requerer a declaração de extinção de suas obrigações, inclusive trabalhistas.
A ideia é que, após a sanção do Presidente da República, a aplicação da lei com suas alterações possa permitir que as empresas em situação falimentar sejam redirecionadas mais rapidamente para outros projetos, dando condições para o capital bom dessas e aumentando a produtividade da economia.