A Lei 14.112/20 trouxe mudanças significativas no processo de recuperação judicial e falência para o produtor rural.
O agronegócio é uma das atividades mais importantes da economia brasileira, representando aproximadamente 21% do PIB, conforme dados da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Com isso, há grande preocupação em relação ao endividamento que cerca esse setor – estima-se que, até fevereiro de 2019, o volume total da dívida dos produtores agrícolas brasileiros somava cerca de R$ 600 bilhões, mais de um terço do PIB registrado pelo agronegócio em todo o ano.
No campo jurídico, a lei de Falências e Recuperação Judicial visa prevenir a paralisação da atividade, protegendo os empresários rurais que vivenciam uma crise econômico-financeira recuperável, para que se mantenham atuantes. Com as importantes reformas desta Lei, impacta o setor a decisão de que o produtor rural que atua como pessoa física tem também o direito de ingressar com o pedido de recuperação judicial, consolidando algo que já era reconhecido por jurisprudência.
Para esse produtor, é relevante a mudança de que o registro na Junta Comercial continua sendo obrigatório, porém, não é preciso aguardar dois anos após o registro para eventual pedido de processamento da RJ. Nesse ponto, a comprovação da atividade empresarial por ao menos dois anos continua necessária, apresentando o Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR), registros contábeis, além da Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) e balanço patrimonial, todos apresentados tempestivamente.
Um ponto de atenção é a disposição de que, para que não ocorra confusão entre o endividamento decorrente de sua atividade empresarial com as contraídas em sua vida pessoal, algumas dívidas específicas não se sujeitam à recuperação. No entanto, algumas dúvidas são levantadas já que o produtor rural pessoa física não tem patrimônio pessoal e empresarial distinto. Sendo assim, como separar os créditos decorrentes da atividade não empresarial na Recuperação Judicial? Se o patrimônio fica à disposição dos credores da RJ, como os credores pessoais serão pagos?
Outro ponto levantado é em relação à apresentação de um plano especial de recuperação judicial por parte dos produtores rurais que tenham dívidas totais de até R$4,8 milhões, podendo ser diluído em até 36 parcelamentos mensais corrigidos pela taxa Selic. Apesar de ter sido pensado para trazer celeridade e ampliar o acesso do produtor à Recuperação Judicial, esse teto estipulado é baixo e deve abranger poucos produtores. Abaixo, segue maiores detalhes sobre o plano especial de recuperação judicial que pode ser apresentado no prazo previsto no art. 53 da nova lei:
I – abrangerá todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, excetuados os decorrentes de repasse de recursos oficiais, os fiscais e os previstos nos §§ 3º e 4º do art. 49; (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014);
II – preverá parcelamento em até 36 (trinta e seis) parcelas mensais, iguais e sucessivas, acrescidas de juros equivalentes à taxa Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC, podendo conter ainda a proposta de abatimento do valor das dívidas; (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)
III – preverá o pagamento da 1ª (primeira) parcela no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da distribuição do pedido de recuperação judicial;
IV – estabelecerá a necessidade de autorização do juiz, após ouvido o administrador judicial e o Comitê de Credores, para o devedor aumentar despesas ou contratar empregados.
Parágrafo único. O pedido de recuperação judicial com base em plano especial não acarreta a suspensão do curso da prescrição nem das ações e execuções por créditos não abrangidos pelo plano.
Por fim, outro ponto importante a ser levantado diz respeito aos riscos associados à atividade rural, como variação de preço dos commodities; quebra de safra em decorrência de fatores climáticos; precária infraestrutura de logística e transporte; insuficiência de seguro e crédito rurais. Por este ângulo, quais seriam as formas de proteção para o produtor rural em relação a essas variações? Como definir a melhor forma de pagamento aos credores, considerando as oscilações financeiras deste produtor?
Ainda que a reforma tenha garantido o direito do produtor rural pessoa física à recuperação judicial, acabou restringindo em muitos pontos as possibilidades de superação da situação de crise econômico-financeira. Nesse sentido, espera-se a atuação dos juristas na formação de uma jurisprudência que atenda aos anseios e às necessidades do empresário rural. É de suma importância que estas questões sejam consideradas antes do início da recuperação judicial, para que evite um desgaste das partes para uma reestruturação que esteja fadada a não se concretizar.